domingo, 9 de agosto de 2009

Metade

"Que a força do medo que eu tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu oiço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja para sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor.
Apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne, ao menos, suportável.
Que o espelho reflicta no meu rosto um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais que uma simples alegria para me aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém tente complicá-la porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é plateia e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade também."

Oswaldo Montenegro



2 comentários:

Anónimo disse...

«porque sou um homem inundado de sentimentos»...
Inventem uma terceira margem, como outra metade. Porque sou rio na outra margem em que te deitas.

AC disse...

Tanto tempo sem publicar, menina Ana?
Espero que seja apenas ausência justificada por férias.

Beijinhos.

AC