terça-feira, 30 de junho de 2009

Fado Português

O Fado nasceu um dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava.
Na amurada de um veleiro,
no peito de um marinheiro,
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro.
Vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava
que, estando triste, cantava.
José Régio in 'Poemas de Deus e do Diabo'

terça-feira, 23 de junho de 2009

A sós com a noite

Há quem o chame louco, excêntrico. Ou até velho estouvado que só sabe dizer adeus. Muitos sabem quem é, mas poucos conhecem a verdade do senhor João. O homem que lê Agatha Christie para espantar os medos. O homem que percorre as noites da Av. Fontes Pereira de Melo a cumprimentar graciosamente quem passa. Para este homem, o simples gesto de dizer adeus dá sentido à sua vida. Considera-se criador de um milagre. Neste mundo de estranhos e de gentes fechadas, este é o seu milagre e também a sua cura. Quem passa pelo Saldanha, quando a lua visita a cidade, não fica indiferente à figura do "senhor que diz adeus".
João Serra tem a bonita idade de 76 anos e é dono de uma alma que faz inveja a muitos jovens. Transforma-se rapidamente num avô contador de histórias, quando o abordam. É um conversador de coração cheio. As vestes clássicas e a ondulação da cabeleira branca conferem-lhe um ar aristocrático. O senhor João tem em si a inocência de uma criança, o espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente ter aprendido a viver tarde demais. Sempre quis ser actor, mas nunca o deixaram. Ou talvez não tenha tentado.
Nasceu no seio de uma família abastada que vivia num palacete da rua Tomás Ribeiro. Em adolescente, consumada a separação dos pais, foi viver para o Restelo, onde voltou a residir desde a morte de sua mãe. É lá que ainda vive e foi por lá que o reencontrei.
O senhor João sempre viveu para os outros e em função dos outros. Por vontade do pai inscreveu-se em Direito, mas rapidamente percebeu que era chato e aborrecido, abandonando o curso. De seguida, integrou História e Filosofia que também se revelou de curta passagem. Sem saber o que havia de lhe fazer, o pai mandou-o para Londres com o irmão. Viveu 3 anos em Inglaterra. Tempos que recorda com saudade pelas viagens que conseguiu fazer. Voltou a Portugal com saudades da família. " Nunca consegui ficar muito tempo longe dos que amo", confessou-me. E ficou calado, de olhar perdido numa dor só sua.
Admite que possa parecer estranho o que faz. Será sempre mais fácil julgá-lo como um louco. Mas é a forma mais bonita que conhece de disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, porque não ousou viver a própria vida em vez da dos outros. Jazem num velho baú os sonhos que não realizou. O curso que não fez, os filhos que nunca teve e o grande amor que não viveu. Ainda assim, esta é certeza inquestionável para o senhor João. "Mesmo com a vida a fugir, sou crente no amor. Sinto-me só e incompleto. Alguma coisa falhou". Nos olhos cinzentos, por trás dos óculos de massa negra, sinto-lhe o conter de duas lágrimas. Explica-me que anseia pelo passado, pelo presente e pelo futuro que não chega. A inquietação da juventude acompanha-o até hoje. A retribuição de um beijo, de um sorriso, ou de dois dedos de conversa é o suficiente para trazer de volta o brilho aos olhos do geronte.
Quando me despedi dele, agradeci a partilha de emoções. Ele tirou os olhos da dor, deu-me o seu melhor sorriso e falou-me com o coração: "Sê feliz, minha menina. Se não nos virmos mais, encontramo-nos no céu".
Tenho fé, senhor João, tenho muita fé.

Para si, senhor João.
Com admiração e carinho.

AP

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A verdade do 'sonho' intemporal


Do Asteróide B612 para o planeta Terra, aproveitou a boleia de uma migração de pássaros selvagens, à procura de amigos. O seu planeta era muito pequeno. Só tinha espaço para três vulcões e uma rosa, que lhe partiu o coração pela alma orgulhosa que transportava. O menino de cabelos cor de ouro que passava o tempo a fazer perguntas, mas que nunca respondia ao que lhe era perguntado.
Li-o dezenas de vezes.
Amei a ingenuidade sábia com que foi escrito. A melodia doce com que reduz a nossa existência a uma deliciosa gargalhada, apenas porque adora aprender. E aprender é sinónimo de viver.
Apaixonei-me pela forma como ensina que o ruído enferrujado de uma roldana velha, faz adivinhar uma fonte de água fresca no meio do deserto. Com cheiro de fogo e sabor de inocência. Ainda tenho em mim a alegria que brota do ranger de qualquer uma roldana que encontro por aí, pelos desertos.
Acho que o li dezenas de vezes.
Quando era pequena queria ser como ele. Hoje, percebo que já fui e que já passou. É confortante recordar a passagem e sentir que, realmente, existiu. Em suspiros de nostalgia, descobri que me deixou aprender que a vida é mais simples que complicada. Mais colorida que cinzenta. Que é melhor morrer de amor do que saborear o vazio.
Um dia ouvi alguém dizer: "O Principezinho, que presente fantástico para oferecer a uma criança". Que barbaridade! Das maiores que já conheci. O Principezinho não é um livro para crianças. É para pessoas grandes. As crianças são crianças. As crianças gostam, não gostam, vêem ovelhas dentro de caixas e preocupam-se com os espinhos que as rosas produzem há tantos milhões de anos. E com flores, e com estrelas e crepúsculos. "Um dia vi o sol pôr-se quarenta e três vezes. Quando se está muito triste, sabe bem ver o pôr-do-sol". Preocupam-se com coisas sérias. Mesmo sérias, como o pôr-do-sol. As crianças não precisam que as ensinem a ser crianças. Já as pessoas (que se dizem) grandes... Continuam a achar que um elefante dentro de uma jibóia é um chapéu. Que não têm tempo de regar as rosas e de cobri-las com uma redoma por causa das correntes de ar. Porque se preocupam com coisas sérias. Idiotas.
Devo tê-lo lido dezenas de vezes.
Mas quase não me lembro. Entranhei-o, faz parte de mim, está cá dentro. E sou criança para sempre.


"À noite, pões-te a olhar para o céu e, como eu moro numa estrela, como eu me estou a rir numa delas para ti, é como se todas as estrelas se rissem. Vais ser a única pessoa no mundo que tem estrelas capazes de rir".

E foi assim que o Principezinho se despediu do seu amigo, que o seria para sempre. Da mesma forma que qualquer passageiro da vida se despede - com orgulho ridículo - da idade da qual, mais tarde, desejará não ter saído. A diferença para o meu Principezinho reside nas gargalhadas das estrelas. São elas que vão iluminar a noite e chamar-me à janela antes de dormir.
Vou lê-lo, com toda a certeza, mais umas dezenas de vezes. Vou voltar a reencontrar os acendedores de candeeiros, os reis, os homens de negócios, os geógrafos. Esses homens 'sérios'. Agradecer-lhes as respostas às perguntas, mas informá-los que prefiro continuar a cuidar da rosa que só tem três espinhos para se defender do Mundo inteiro.

AP
Aos meus 'principezinhos': Pedro, Carolina e Mariana.

sábado, 13 de junho de 2009

Por António... o Variações


Vou viver até quando eu não sei
que me importa o que serei

quero é viver
Amanhã, espero sempre um amanhã
e acredito que será
mais um prazer
E a vida é sempre uma curiosidade

que me desperta com a idade

interessa-me o que está para vir

A vida em mim é sempre uma certeza

que nasce da minha riqueza

do meu prazer em descobrir
Encontrar, renovar, vou fugir ou repetir.


António Variações (3.12.1944 - 13.06.1984)

Oh noite de Santo António, oh Lisboa de encantar...









AP
Só para ti, Marta.
Com carinho.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Esta Lisboa que eu amo...


Hoje é o dia de cantar a menina, a mulher, a Mãe dos poetas, dos revolucionários, dos sonhadores e solitários. Esta Mãe extremosa que embala os filhos ao sabor das vagas do Tejo. Que os conforta com xailes negros de fado. Esta Lisboa que eu amo...
Esta Lisboa que eu desejo com tamanha paixão, como se me tivesse visto nascer. Ironia. Foi Ela que me viu renascer, que me levou pela mão e me ensinou a caminhar de novo. Desceu comigo a rua do Carmo ao som da dor do fado, e voltou a subir para ter a certeza dos laços que acabara de criar entre mim e o negro da calçada que ainda recorda o inferno de outros tempos. "Está na hora de te apresentar ao Poeta", disse-me ela ao ouvido.
Pelo meio das gentes com pressa de viver, caminhou calmamente comigo pelo passeio a que Garret emprestou o nome. Ao fundo, inspirado pelo aroma intenso do café, Pessoa. Que alma Grande. Até Camões parecia querer saudá-lo com gestos eternos, do alto da sua imponência.
Hoje é o dia de cantar esta Lisboa que viu nascer Abril. A Lisboa dos sábados que acordam nas bancas velhas da feira da Ladra, que S. Vicente esconde envergonhado. Não vão as Tágides acordar com o frenesim. Do outro lado, o Panteão que fere a vista quando se casa com o sol.
Lisboa das manhãs de domingo em família, por Belém. O Infante continua na proa. Por toda a parte, os 'velhos do Restelo' lamentando a sorte que o mar levou. Ingratos.
Esta Lisboa que chorou Amália e que vai alimentando a dor da saudade. Deixar de chorar é fechar o caixão talhado com os machados do povo. Ai Amália, se soubesses...
Esta Lisboa que eu vivo (e que me viveu), do Junho que só existe aqui.
No ar, o cheiro a casa: sardinhas, caldo verde e manjericos. É noite de Santo António. Hoje todos somos devotos. Os sonhadores e solitários mais que os outros. E talvez estes sejamos todos.
Aos pés da Sé o ambiente pesa, inebriado pelo cheiro da cera que queima pela força da fé.
E o Junho não acaba.
Esta Lisboa dos crepúsculos no 'santuário' da Graça, de papel e caneta nas mãos. O altar que se debruça sobre Ela e que a vê nua. Tinhas tanta razão, Ary. Hoje o sol faltou ao nosso encontro, mas a beleza e a paz não se apagam com o nevoeiro cinzento que vai caindo.
E os passeios pelo castelo velhinho? Lembras-te, Lisboa? Das conversas intermináveis que mantínhamos em segredo, enquanto o guarda teimava que estava na hora de fechar os portões?
É bom sentir que continuas aí. O tempo não passa por ti. Continuas a beijar os teus filhos e a fomentar a relação incestuosa, num misto de erotismo e amor maternal, que não pode ser de outra maneira.
Ainda tens espaço no teu colo para mim? Eu estou de volta.

AP

Foto: Miradouro da Graça

segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Do vale à montanha" (e da montanha ao vale)


Chamaram-lhe Sísifo. Era filho do rei Éolo. Não o dos ventos, mas do que ocupava o trono da Tessália. A mesma a quem S. Paulo dedicou duas das suas epístolas, adivinhando a ressurreição de Cristo.
Desafiador dos deuses, Sísifo foi castigado e condenado a rolar uma grande pedra de mármore, com as suas mãos, até ao cume de uma montanha. Sempre que alcançava o topo, a pedra rolava montanha abaixo. Sísifo descia a montanha para voltar a empurrar a pedra. Levava-a de novo até ao cume e a pedra voltava a cair. Por toda a eternidade.
Camus 'convidou' Sísifo a integrar a sua filosofia do absurdo: a futilidade humana em busca de um sentido que não existe.
Cada passo do homem traduz todo o esforço de um corpo (ou de uma alma) para levantar uma imensa pedra e rolá-la montanha acima. Uma vez, e outra e outra... Retrata o rosto comprimido, que de tanto acarinhar a pedra também já o é. O ombro que suporta o peso e auxilia os braços estendidos cobertos de terra. As mãos lascadas ao final de um esforço interminável, medido por espaços e tempos infinitos.
Ai Sísifo, Sísifo... Condenado a viver no absurdo por toda a eternidade.
E nós? Homens absurdos, reféns de uma vida fútil? Talvez sejamos, em cada segundo, mais ridículos que a eterna tarefa de Sísifo. Empurrando as nossas pedras sem questionar, acreditando que não têm que ter um sentido, como se não fossemos seres dotados de razão. E a pedra rola montanha abaixo. É tempo de descer ao vale e iniciar outra vez o trabalho que, por teimosia ou ignorância, continua a não ter sentido. Durante a descida é o coração que rasga e não a pele. Os pés podiam estar cravados de chagas, mas não estão. Estes apenas caminham, obedientes, em direcção ao tormento. PÁRA, Sísifo! PÁRA!!!!!
É hora da consciência. A lucidez que constitui a tortura é a mesma que coroa a vitória. Afinal, tem sentido. E o homem sorri. De alívio, porque ainda não habita a eternidade, como Sísifo. De gratidão, porque ainda não foi condenado pelos deuses. E por Ele, nunca será, concerteza! De felicidade, porque ainda é possível descobrir a fórmula que castiga a pedra a adormecer profundamente no alto da montanha.
E de conquista, porque a própria luta em direcção às alturas é suficiente para preencher o coração do Homem.

AP

Ao Professor Manuel Nunes

"Compus para si e chamei-lhe Vagamundo..."


"Vagamundo"

Já disse adeus
a tanta terra, a tanta gente.
Nunca senti meu coração tão magoado,
inquieto,
por saber,
que o tempo vai passar
e tu vais esquecer o nosso Fado.
Partida, cada vez mais sombria,
cansada...
São nuvens negras
em céu azul.
São ondas de naufrágio
em mar fundo.
No meu deserto não vejo abrigo,
sem ter um amor neste mundo.
Mas se eu voltar e, como penso, me esqueceste,
troco por outro
coração amargurado.
Tentarei não fazer mais castelos no ar
e nunca mais viver
um outro Fado.

Letra: Luís de Macedo
Música: Alain Oulman
Por: Amália

Porque nunca é tarde para homenagear o "marinheiro, que estando triste cantava" e a paixão pelos livros, pela música e por Amália que, com ele, partilho. Alain Oulman, o poeta e músico a quem todos deveriam estar gratos por ter levado Luís de Camões, David Mourão Ferreira, Alexandre O'Neill ou Manuel Alegre às pautas da guitarra portuguesa e à Voz de Amália Rodrigues. Este foi o fado com que assumiu a paixão pela Diva, testemunhado pelas águas da foz do Lisandro em 1962.

AP

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Devolvo-te as rosas...


"No mais fundo de ti,
Eu sei que te traí, Mãe!

Tudo, porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo, porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumurosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, Mãe.
E o nosso amor é infeliz.

Tudo, porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu.
E até o meu coração ficou enorme.
Enorme, Mãe!

Olha, queres ouvir-me?
Às vezes ainda sou a menina
que adormeceu nos teus olhos.

Ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas como as que tens na moldura.
E ainda oiço a tua voz:
'Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal...'.

Mas, tu sabes, a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, Mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite, eu vou com as aves."

Eugénio de Andrade


Ainda te lembras?
Tu guardaste o poema. Agora, é a minha vez de trazer-te as rosas brancas de volta.

Parabéns, Mamã!

AP

terça-feira, 2 de junho de 2009

"O que há em mim é, sobretudo, cansaço..."

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por um suposto alguém.
Essas coisas todas...
Essas e o que faz falta nelas eternamente.
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo.
Cansaço...

Álvaro de Campos

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Those were the best days of my life..."

A noite cai, mas o calor permanece. O de hoje e o de outros tempos. Aqueles em que quem entrou na noite, o fez com a absoluta certeza de que iria ficar. E ficou!
Hoje é o dia de celebrar e eternizar a noite de quem se vai reencontrando incessantemente no 'plateau' da vida, com a coragem de olhar nos olhos saudosos do outro e encarar sem receios os melhores tempos desta vida.
Aqui não existem púlpitos nem tribunas onde são proferidas palavras mastigadas, discursos cozinhados ou danças de conveniência. Existem sim abraços sinceros que não deixam que a noite arrefeça, e sorrisos emocionados de orgulho por termos ficado. E ficámos, porque estamos.
A música sobe e enche-me o peito. Sinto-a como oxigénio para os pulmões e hemoglobina para o sangue. Recordam-se episódios intensos e eternos que foram dançados ao som desta mesma música. Nas 'colinas' de Lisboa, pelas velhas planícies alentejanas, à sombra do sol de 'Lacóbriga' ou até mesmo sob as 'luzes' de Paris. Que importa? O cheiro da terra molhada ainda é o mesmo, não é? As lágrimas que caem é que poderão descer de outras nuvens. Daquelas que outrora despiram o impermeável para absorver e secar as lágrimas alheias, mas tão suas. A partilha é a mesma: única em cada dia, em cada noite, em cada suspiro. Afinal, o tempo não é ladrão. Porque passamos, então, as nossas horas a pedir-lhe que nos devolva o que já foi? O tempo é hoje, aqui e agora.
O céu pinta-se de um azul amedrontado que quer ser laranja e, quem sabe, amarelo. Vénus ergue-se no horizonte nascente, anunciando a manhã de Verão que jorra do ventre do infinito. Da varanda, apenas o Tejo e o calor de quem nunca parte. É neste tempo que quero estar para sempre. Porque, afinal, estes continuam a ser os melhores tempos desta vida.

AP

Ao Bola, ao Laminas, ao Paulo Lopes e à Raquel.