quinta-feira, 11 de junho de 2009

Esta Lisboa que eu amo...


Hoje é o dia de cantar a menina, a mulher, a Mãe dos poetas, dos revolucionários, dos sonhadores e solitários. Esta Mãe extremosa que embala os filhos ao sabor das vagas do Tejo. Que os conforta com xailes negros de fado. Esta Lisboa que eu amo...
Esta Lisboa que eu desejo com tamanha paixão, como se me tivesse visto nascer. Ironia. Foi Ela que me viu renascer, que me levou pela mão e me ensinou a caminhar de novo. Desceu comigo a rua do Carmo ao som da dor do fado, e voltou a subir para ter a certeza dos laços que acabara de criar entre mim e o negro da calçada que ainda recorda o inferno de outros tempos. "Está na hora de te apresentar ao Poeta", disse-me ela ao ouvido.
Pelo meio das gentes com pressa de viver, caminhou calmamente comigo pelo passeio a que Garret emprestou o nome. Ao fundo, inspirado pelo aroma intenso do café, Pessoa. Que alma Grande. Até Camões parecia querer saudá-lo com gestos eternos, do alto da sua imponência.
Hoje é o dia de cantar esta Lisboa que viu nascer Abril. A Lisboa dos sábados que acordam nas bancas velhas da feira da Ladra, que S. Vicente esconde envergonhado. Não vão as Tágides acordar com o frenesim. Do outro lado, o Panteão que fere a vista quando se casa com o sol.
Lisboa das manhãs de domingo em família, por Belém. O Infante continua na proa. Por toda a parte, os 'velhos do Restelo' lamentando a sorte que o mar levou. Ingratos.
Esta Lisboa que chorou Amália e que vai alimentando a dor da saudade. Deixar de chorar é fechar o caixão talhado com os machados do povo. Ai Amália, se soubesses...
Esta Lisboa que eu vivo (e que me viveu), do Junho que só existe aqui.
No ar, o cheiro a casa: sardinhas, caldo verde e manjericos. É noite de Santo António. Hoje todos somos devotos. Os sonhadores e solitários mais que os outros. E talvez estes sejamos todos.
Aos pés da Sé o ambiente pesa, inebriado pelo cheiro da cera que queima pela força da fé.
E o Junho não acaba.
Esta Lisboa dos crepúsculos no 'santuário' da Graça, de papel e caneta nas mãos. O altar que se debruça sobre Ela e que a vê nua. Tinhas tanta razão, Ary. Hoje o sol faltou ao nosso encontro, mas a beleza e a paz não se apagam com o nevoeiro cinzento que vai caindo.
E os passeios pelo castelo velhinho? Lembras-te, Lisboa? Das conversas intermináveis que mantínhamos em segredo, enquanto o guarda teimava que estava na hora de fechar os portões?
É bom sentir que continuas aí. O tempo não passa por ti. Continuas a beijar os teus filhos e a fomentar a relação incestuosa, num misto de erotismo e amor maternal, que não pode ser de outra maneira.
Ainda tens espaço no teu colo para mim? Eu estou de volta.

AP

Foto: Miradouro da Graça

6 comentários:

Marta disse...

E as escadas de Sta. Justa rendidas ao cheiro das castanhas assadas no Outono? E as tardes de chá na "Outra face da Lua"? E as lutas de pedras com o rio para descobrir as formas da água? Sabes onde está essa Lisboa? Diz-me, eu vou buscá-la!

Mesmo longe, tenho a certeza que esta vai ser mais uma noite de Sto. António à tua imagem. Com episódios daqueles que só te acontecem a ti.
O que será desta vez?:)

Escreve, dá-me novas da nossa "menina" e manda-lhe saudades minhas. À Lisboa que nós amamos.

Beijos aos montes.

Marta.

Ana Paulo disse...

Querida Marta,

A noite será cheia, concerteza. De quê, deixo entregue a Deus para decidir. Está na hora de amar Lisboa e de lhe retribuir todos os milagres que por aqui se dão.

Entrego-lhe as tuas saudades. Recebe também as minhas. Um dia levo Lisboa a Madrid e (re)vivemos juntas as tardes eternas.

Beijos mil!

Ana.

Nuno disse...

Muito bom, Nocas! Mesmo!
Parabéns.

Nuno.

Carlos disse...

sim, é um retrato especial que deste da Capital mais bonita da europa...SIM!!! e quase me atrevo a dizer... uma das capitais mais bonitas..do Mundo!!! e olha que ja conheço... 24 capitais!!! So faltou falares no electrico 28 ... no adamastor no alto de santa catarina... e porque nao, do casal ventoso la bem acima nos prazeres!!!

es o maximo!!!!

CS

PF disse...

Delicioso. Soberbo. Envolvente. Apaixonante.

Devias aprofundar.

PF.

Pedro disse...

Não pude deixar de vir matar saudades deste texto que (já te disse) devias colocar por toda a parede do teu quarto em letra caligráfica.
À parte do indiscutível impacto estético, daria a tua alma ao espaço que precisa de ser novo!
Think about it, miuda!

Beijo.
P.