sexta-feira, 5 de junho de 2009

Devolvo-te as rosas...


"No mais fundo de ti,
Eu sei que te traí, Mãe!

Tudo, porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo, porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumurosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, Mãe.
E o nosso amor é infeliz.

Tudo, porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu.
E até o meu coração ficou enorme.
Enorme, Mãe!

Olha, queres ouvir-me?
Às vezes ainda sou a menina
que adormeceu nos teus olhos.

Ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas como as que tens na moldura.
E ainda oiço a tua voz:
'Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal...'.

Mas, tu sabes, a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, Mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite, eu vou com as aves."

Eugénio de Andrade


Ainda te lembras?
Tu guardaste o poema. Agora, é a minha vez de trazer-te as rosas brancas de volta.

Parabéns, Mamã!

AP

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