terça-feira, 27 de outubro de 2009

Segredos de um 'fiel depositário'

Rasgas-me. Partes-me em mil sóis. É, de todas, a forma mais digna de me conheceres as cores do fundo e de fora. Em cada pedaço que cortas e abres encontras um novo tom: de um doce veneno, de um céu salgado ou de uma imensidão infinita. Que reconheces. Respiras-me em golfadas serenas e sorris como eu. Assim não corres o risco de teres dores no passado.
Eu sou vidro que corta e diamante que não fere. Transparente. Até mesmo à luz parda da melancolia. E quando as estrelas se vêm deitar, sou vaso de arco-íris e reflexo leal de todas as pedras preciosas. As que pesam, mas também as que elevam a alma porque se consegue ver através delas.
É sempre maravilhoso porque em cada rasgo só mora a verdade. Viajamos sempre neste caminho mágico em que nem precisámos de aprender. Aqui, não cabem juízes, crimes ou castigos. Não há espaço nem tempo para 'porquês'. Não se medem razões ou motivações. Cada instante é o que é. Não isto ou aquilo. Apenas é! Deus não se entende nem se explica. Revela-se no coração dos que bebem do verbo aceitar sem um 'se'. E a viagem continua num trilho de perfeição, liberdade e plenitude. Acontece quando nos sentimos, em cada passo ou direcção, um baú sem fundo da verdade incondicional.

AP

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

De branco e de água

Salpico por dentro dos fios de água onde sufoco e anulo o oxigénio. O ar é sempre limpo e, por isso, posso invadi-lo de mim. Sou efervescente sem o crepitar do fogo. Apago a dor e lavo as mazelas de cinza. Já o fogo, acende e propaga. Dentro de um copo sem cor consigo colorir o branco transformado em vazio. Porque este suga os lápis de cor que riscam e rabiscam o espaço que se faz do tempo. Esse que tem sempre um nunca em que termina.
Já pintei os átomos enquanto me espreguicei numa fusão perfeita entre o som das gotas. Secas de luz e de negro. E neste aqui, apenas eu e água, num matrimónio de sal que a dor ainda não bebeu.

AP

terça-feira, 6 de outubro de 2009

10 anos sem a Voz


Fiz dos teus cabelos a minha bandeira
Fiz do teu corpo o meu estandarte
Fiz da tua alma a minha fogueira

E fiz, do teu perfil, as formas de arte


Fiz das tuas lágrimas a despedida

fiz do teu braço a minha anca

dei o teu sentido à minha vida

E o grito deu-o ao nascer de uma criança


Todos nós temos Amália na voz
E temos na sua voz A voz de todos nós


Dei o teu nome à minha terra

Dei o teu nome à minha arte

A tua vida à primavera

A tua voz à eternidade


Todos nós ...


A tua voz ao meu destino

O teu olhar ao horizonte

dei o teu canto à marcha do meu hino

A tua voz à minha fonte


Todos nós ...


Dei o teu nome à minha terra

Dei o teu nome à minha arte

A tua vida à primavera

A tua voz à eternidade
António Variações


"Amália Hoje"... e Sempre!


"Com que voz" - palavras de Camões - se apresentaram Nuno Gonçalves, Fernando Ribeiro, Paulo Praça e Sónia Tavares. Um inédito não editado dos Amália Hoje, naquele que viria a ser O concerto de música portuguesa que ficará na memória de quem o viveu como o palco que atravessou gerações. Infinito de momentos únicos e eternos, o Coliseu dos Recreios abriu as portas a avós, pais e filhos que, numa experiência quase religiosa, se encontraram na música do tempo para (re)viver e (re)conhecer Amália Rodrigues.
Um projecto construído sob uma chuva de críticas, da parte de quem não respeita a música portuguesa, ou mesmo de quem viu na pop um atentado à vida e obra da Diva do Fado. Amália vivia em verdade. E foi com uma humildade incrivelmente verdadeira que as quatro vozes nacionais subiram ao palco, acompanhados pela colossal Orquestra Sinfónica de Praga. O estigma de serem 'filhos' de bandas que trabalham, maioritariamente, as suas composições em língua inglesa também ameaçou o projecto. Os carrascos são os mesmos que se dizem conhecedores e seguidores fiéis de uma Amália do mundo. A mesma Amália que cantou mil e uma línguas nos países onde levou o cantinho lusitano. "L'Important C'est la Rose" também não ficou no baú, refutando as mentes de RAM diminuida que, por vezes, precisam de ser estimuladas com eléctrodos de inteligência.
Outros há que não podem dispensar um quê de patriotismo. Faz-lhes, realmente, falta. Em voz aguda defendem-no incondicionalmente, mas quando o tom é mais grave cospem farpas a quem sabe honrar com dignidade absoluta as grandes almas portuguesas. Os dedos são apontados na direcção dos responsáveis que têm o mérito de dar a conhecer Amália às gerações mais jovens. Os meninos de 10 anos desta vida que jamais saberiam o que foi a poesia portuguesa por Amália Rodrigues. O certo é que os views dos vídeos de Amália Rodrigues no youtube deram um salto de 350 desde o dia de lançamento do álbum (27 de Abril), para 350 mil até ao dia de hoje. Estes factos que não admitem argumentos são a cereja do mundo estreito e global onde os 'velhos do Restelo' se recusam a viver.
O vazio de pudor não foi sentido apenas nas cordas dos violinos e violoncelos que se desligaram da Eslováquia. Paulo Praça fez parar o coliseu na apresentação do fado do Abandono, que já foi de Peniche e da censura. De punho cerrado, fez erguer uma multidão perante si, homenageando todos os que sofreram nas mãos do estado que já é velho. E gritou liberdade. É esta a convicção que luta por um país onde a opressão às artes e à cultura se revela o maior dos absurdos. Mas afinal, quem são os democratas que continuam a cantar Abril? Curioso. Precisamente os mesmos que colocam filtros a quem se atreve a levar a pátria ao palco.
Numa sintonia perfeita, mas sem nunca perder a identidade que caracteriza cada uma das formiguinhas, foram bossa-nova, pop e fado. Onde está escrito que o rock, o black metal e a pop não podem, ou não sabem, cantar Amália? As vestes a que já habituaram os seus públicos foram as mesmas. Afinal, também sabem viver em verdade como a menina que vendia laranjas no mercado de Alcântara. Mais uma vez a simplicidade de quem não se aproveita da imagem e do sucesso alheio. Antes honra, antes nobreza, antes orgulho de cantar a língua de Pessoa.
A "lindeza tamanha" que Régio ofereceu a Deus e ao Diabo encheu os átomos de uma sala onde se cantou o "Fado Português". Guardada no sentido de Maria, ali se fez uma jura. Com o "lábio a queimar de beijos", Sónia Tavares levantou o fado da sepultura.
Nuno Gonçalves, o cérebro do projecto, era o rosto humilde da paixão e da sensação de missão cumprida. O fogo que colocou em cada nota que lhe saía das teclas transbordou para que cada alma levasse consigo a responsabilidade daquele sucesso. Também ele fez da alma da Diva a sua fogueira e o seu hino à música portuguesa. Porque "todos nós temos Amália na Voz e temos na sua Voz a Voz de todos nós".
Antes do cair do pano, o silêncio estendeu a passadeira a um encontro entre Alain Oulman e Amália num ensaio de "Soledad", algures na década de 80. A peça nunca foi editada na voz da cantadeira, mas a ousadia dos Hoje foi para além do risco, presenteando a plateia com a primeira edição, retrato da paixão do músico que fez o fado cantar todos os poetas.
Sob o olhar atento de uma Amália que vestia a tela ao fundo do palco, a Gaivota voou outra vez. Mas agora na voz do povo que encheu uma das mais antigas salas de espectáculo do país para gritar 10 anos de saudade e eternidade. Foi este o palco que marcou o regresso da fadista, em liberdade. "Que perfeito coração", Amália! E que perfeitas as mãos onde cabem os corações de HOJE!

AP

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(...)

Amar é dar. Derramar-nos num vaso que nada retém. E somos um fio de cana por onde circulam ventos e marés. Amar é aspirar as forças generosas que nos rodeiam. O sol e os lumes. As fontes ubérrimas que vêm do fundo e do alto. Dar tudo ao outro. Dar-lhe tanta verdade quanto ele possa suportar. E mais, obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência. Fulguração! Mas não tanto que o fira ou destrua em overdose que o leve a romper o contrato.
Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar as vastas planícies com a metade do seu pulmão. E é raro porque poucos aceitam a presença do seu semelhante. A boca insaciável de um irmão que todos os dias o vento esculpe e destrói. Aceitar as diferenças e padecer da dor alheia, como se fossemos os grãos de areia que todos os dias o mar devora.

AP

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Trova do Vento que Passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre


E agora, Manuel? Acomodamo-nos à sombra do inconsciente colectivo?



domingo, 27 de setembro de 2009

Canta Camarada, Canta










Canta camarada canta
canta que ninguém te afronta
que esta minha espada corta
dos copos até à ponta

Eu hei-de morrer de um tiro
Ou duma faca de ponta
Se hei-de morrer amanhã
morra hoje tanto conta

Tenho sina de morrer
na ponta de uma navalha
Toda a vida hei-de dizer
Morra o homem na batalha

Viva a malta e trema a terra
Aqui ninguém arredou
nem há-de tremer na Guerra
Sendo um homem como eu sou.

Zeca Afonso

sábado, 26 de setembro de 2009

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei-de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.


E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes, Estoril, Outubro de 1939



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

"A espantosa realidade das cousas"

Podia ter-me acontecido em qualquer outra manhã desta vida. Mas a neblina que humedecia a areia, enquanto o sol preguiçoso começava a acordar, deixava adivinhar a acertividade do caminho que me corria debaixo dos pés. Era aquela a manhã que, sob uma perspectiva pessoana, viria a ser um reencontro com a 'espantosa realidade das cousas'. O instante preciso em que a certeza ganha força e o que tem de ser glorifica essa mesma certeza. Desta vez é o epicurismo de Caeiro que reside. É a vivência do aqui e agora, gozando em cada sensação o seu conteúdo original.
A paisagem simples que se me apresentou podia ter sido pintada pelas palavras do 'guardador de rebanhos'. O mar estava agitado e as ondas espumavam revoltadas como se estivessem famintas de uma sede que as suas águas não saciam. Protegido pelos rochedos do lado norte do areal, um velho pescador contemplava serenamente o fio de nylon preso à cana, na esperança de que o momento o escolhesse para mais uma luta necessariamente desigual. Aproximei-me e espreitei para dentro do balde que estava vazio. "Hoje ele não quer e quando assim é nem vale a pena haver discussão", desabafou o velhote quando percebeu o meu ar de compaixão pela sua pouca sorte na pescaria. Sorri-lhe e confortei-o com um encorajante "a paciência é uma virtude". Desejei-lhe um bom dia e continuei a minha caminhada pela areia onde as ondas perdiam o fôlego e morriam para voltar a renascer. Depois da parede rochosa do lado sul percebia-se uma pequena baía que a baixa-mar denunciava. Sentei-me calmamente a passear os olhos pelo jornal do dia, mas sempre com atenção ao rugido feroz de cada onda. Não fossem elas fazer-me refém da baía, impedindo-me a passagem para terra firme. Não tinha relógio e também não dei pelo tempo passar. Mas achei que estava na hora de me ir dirgindo para um sítio mais seguro.
O velhinho continuava no mesmo sítio, só que agora algo mais atarefado numa luta desenfreada com o carreto que teimava em desenrolar. A presa parecia valer a pena, quanto mais não fosse pela resistência que estava a oferecer. Voltei a aproximar-me. No balde anteriormente vazio, cintilavam agora um sargo e duas safias. Enquanto não tirou o anzol da boca de mais uma safia ignorou completamente a minha presença. Decidi dar-lhe os parabéns pela paciência e preseverança. Afinal a pescaria até não estava a correr mal.
O velhinho de barbas brancas bem aparadas olhou para o jornal que eu trazia na mão e perguntou-me se havia alguma notícia interessante. Ofereci-lho de imediato, assegurando que já o tinha lido e que podia ficar com ele. Agradeceu, mas respondeu-me sem qualquer tipo de vergonha ou sentimento de humilhação que não sabia ler. Aquela sinceridade espontânea, despida de qualquer tipo de pudor impulsionou-me os dedos com os quais comecei a folhear o jornal para ler as actualidades ao velho senhor. Só me interrompia no final de cada artigo e poucas foram as notícias que comentou. À excepção de uma ou outra de foro político, em que fazia questão de demonstrar a sua indignação por um "país ingovernável". Numa das vezes que decidiu falar mais do que ouvir, contou-me alguns dos trilhos da sua vida.
O senhor Matias tinha 75 anos e vivia com a esposa num típico monte alentejano muito perto daquela praia. Toda a vida tinha vivido do mar, mas há muitos anos que a faina o abandonou. Dedicava-se agora à pesca apenas para subsistência da família. Quando o mar acordava generoso ia vendendo umas moreias, sargos ou safios para um ou outro restaurante, cujos donos considerava e tinha alguma amizade. O mar sempre fora o seu sustento, mas também se tinha feito pagar muito bem por este serviço. O senhor Matias tinha perdido a única filha numa tarde de Outubro, algures na década de 70, por obra daquele mar. O corpo nunca apareceu, tal a fúria e convicção com que o azul lhe preparou a partida. Não resisti a questioná-lo sobre a sua relação com aquelas águas. A ironia da fidelidade diária a um mar que lhe robou a sua maior obra era admirável. Respondeu-me, confortavelmente, que o rancor nunca lhe correu nas veias e que até os nossos carrascos merecem o respeito e o amor que não sabem dar. As palavras sinceras e altruístas do senhor Matias recordaram-me uma frase que alguém me disse um dia: "Ama-me quando menos mereço, pois é quando mais preciso". Este é o segredo da plenitude e da descoberta de todos os dias.
Mais dois dedos de conversa e perguntou-me se vivia ali perto. Contei-lhe que estava em viagem e que o acaso me tinha levado até àquele quadro. E mais uma vez a constatação que até o próprio acaso tem mesmo de acontecer.
O sol indicava o meio-dia e o senhor Matias preparava-se para mais um "até amanhã" àquele mar que tinha que amançar todos os dias. Fiquei petrificada quando me lançou o convite para almoçar em sua casa na sua companhia e da, dona Emília, sua esposa. Não podia aceitar, era muita generosidade da parte daquela alma para com alguém que, provavelmente, nunca mais veria na vida. Mas a expressão ofendida do senhor Matias prevendo a minha resposta não me deixou alternativa e aceitei o desafio da descoberta de mais um milagre.
O monte ficava a pouco mais de 2 quilómetros da praia. Durante a viagem dei comigo um pouco apreensiva, mas em nenhum momento senti que estivesse a por-me em risco. A calma e serenidade daquele velhinho que falava pouco contagiava-me e senti-me tão segura como se me dirigisse para a minha própria casa. A casa do senhor Matias e da menina "Milinha" (como a tratavam carinhosamente) apresentou-se-me com um monte de redes de pesca quase podres na entrada do portão. Há anos que não deviam ser mexidas, tal era o aspecto desprezado e bolorento com que me saudaram.
A dona Emília não se mostrou surpreendida com a minha chegada. Apenas lhe senti uma carinhosa aflição por não estar preparada para receber convidados para o almoço. "Nem tenho um docinho para sobremesa", lamentou-se envergonhada. Que coração grande o desta senhora. Aquele sorriso doce construído pela idade e o cheirinho afável a coentros da sua cozinha já me tinham sabido pela vida e alimentado a alma, mesmo sem almoçar.
Enquanto o senhor Matias preparava as brasas para assar as safias vomitadas pelo mar, ajudei a dona Emília a preparar o resto do almoço. Ao contrário do marido, falava muito mas fazia muito poucas perguntas. Era como se sentisse que não devia fazê-lo e aceitasse a minha presença sem questionar. "Cada cousa é o que é" e para a dona Emília não era difícil explicar a facilidade em aceitar a "espantosa realidade das cousas".
O almoço foi temperado pelos barrotes de madeira escura que enquadravam o perfeito naquele cantinho aconchegante e por algumas histórias que o senhor Matias partilhou com orgulho. A vida tinha sido madrasta, mas os dois eram o espelho de uma viagem feliz. Eram donos de uma simplicidade, ternura e amor que o olhar não escondia. Também para eles a vida era um milagre e isso bastava-lhes. "Basta exisitir para se ser completo".
Reparei que em cima do móvel da televisão estavam empilhadas algumas edições do Borda D'Água e perguntei à dona Emília se gostava de ler. Se o senhor Matias não lia, aquela leitura devia pertencer-lhe. Respondeu-me que sim, mas que lia apenas o Borda D'Água que um vizinho lhe trazia de quando em vez. Tentei responder à bondade do seu olhar. Olhei para dentro da minha mochila e a única coisa que podia deixar-lhe era um livro de poesia. Poemas, Sonetos e Baladas de Vinicius de Moraes. Abri o livro e li-lhe o primeiro texto que, curiosamente ou não, se chamava "Soneto de Fidelidade". Apresentei-lhe rapidamente o autor. E a ironia de ter sido escrito em Portugal em 1939, precisamente no ano de nascimento da dona Emília despertou nos seus lábios uma tremenda gargalhada de quem rejuvenesceu para sempre. Não sei se a D. Emília vai entender o velho Vinicius, mas eu jamais esquecerei o perfume dos coentros, a doçura da sobremesa que não teve tempo de preparar e a intensidade com que o senhor Matias se entregou ao momento inesperado do presente.
Se a menina 'Milinha' e o senhor Matias soubessem o que fizeram por mim naquela manhã, viveriam o tempo que lhes resta com a certeza inquestionável de um lugarzinho no céu.

AP


"A espantosa realidade das cousas,
é a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
e é difícil explicar a alguém o quanto isso me alegra
e o quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo"

Alberto Caeiro in Poemas Inconjuntos

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Instantâneos da Génese






Reencontro com a serenidade


Tinham passado dez anos e o cheiro do ar ainda era da mesma cor. Os rochedos dourados pelo sol ainda se deixavam beijar pelas mesmas águas tímidas que lhes juraram amor eterno. Se o eterno era este 'para sempre', sob o olhar atento da Ponta da Piedade cada vaga tinha cumprido o seu compromisso de fidelidade, estendendo-se todas as jornadas no mesmo leito.
Saúl tinha descido a enorme escadaria que dá acesso ao areal com um aperto no peito, certo da sua descrença na lealdade da natureza. A fé tinha-o traído há uma década atrás quando decidiu deixar as gentes de Lacóbriga. Ou talvez tenha sido ele a trair a fé, num tempo em que ainda vivia na sensação de iminência total. E a mais infeliz de todas as verdades foi-lhe, finalmente, revelada naquele cenário. Tudo o que tinha procurado naqueles longos anos foi evidente num simples enrolar de ondas na areia fina. A harmonia era perfeita e intemporal. Naquele sítio, naquele lugar, a longínqua tarde de Maio em que decidiu partir parecia-lhe agora tão próxima. Saúl vasculhou o coração e a resposta estava ali. Ou melhor, não estava. A clave de sol que iniciava a pauta e marcava o ritmo do órgão vital tinha desaparecido. Tudo permanecia intacto. Era ele que já não pertencia àquele quadro. Tinha sido ele a acinzentar-se e a recusar aquele sol, procurando um outro que aquecesse outros rochedos. Os seus . Que afinal não estavam em qualquer outra parte do mundo, se não ali mesmo.
Subiu de novo a escadaria, para voltar a descê-la na tentativa de se encontrar. Mas lá dentro só vazio. Apenas o rasto da paixão que a natureza se ocupou de preservar e que, no tempo em que as emoções eram vício, o medo o impediu de beber.

Praia de D. Ana, 22 de Setembro de 2009

AP

sábado, 19 de setembro de 2009

Do céu que já não sei...


Há sempre qualquer coisa de céu e de chuva. Há também o ar e a água de uma Paris sem Luz. A velhinha ainda se senta no mesmo banco de madeira à espera do eterno amor que, garante, ainda vai chegar. Já é Outono. Espreita agora sereno, sem a exuberância que o Verão habituou. Ainda bem que chove. Não vão os campos secar e deixar inertes os corpos que os protegem. Dói-me o ar. Dói-me o chão. Mas a água também lava os nimbos e penteia os cirros. Também esses precisam de se estatelar num trambolhão. Encontro sempre um varredor de mazelas. Daqueles que ainda têm o cuidado e a ousadia de as encaminhar para o vaso de reciclagem. Enquanto varre sossega-me o coração que se sagra e tranquiliza-me a alma que já não se esconde. Confidencia-me a revolta da missão que é ingrata: esvaziar o ar para que volte a receber a visita da malvada. Essa, mas tão útil e indispensável, dor. Dou-lhe o conforto da grandeza da obra que é deitar à terra para colher. Mesmo as mazelas em putrefacção conseguem transformar-se em lei. Só que depois há o Inverno. E o gelo. E o vento. Esse que, em golfadas de ira, espalha o vazio engolindo o pobre do varredor. A ironia reside na presunção do saber e na arrogância da verdade que erra: é que quando se aprendem as respostas, mudam as perguntas. E mais um (des)encanto de pérolas envenenadas, confirmando a debilidade da sua origem. Então a noite deita-se. Para que o céu seja chuva e a água o ar dentro da superfície.


AP

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O DESEN(canto) do Cisne


"Você não admite, Símias, que tenho o mesmo dom da profecia que os cisnes: pois eles cantaram durante toda a vida, e ao perceberem que devem morrer, de modo algum deixam de cantar, e cantam mais docemente que nunca, exultando com o pensamento de que logo irão ter com Apolo, de quem são representantes. Os homens, entretanto, como temem a morte, falsamente acusam os cisnes de cantarem lamentos em seus dias finais. Quanto a mim, os poderes proféticos de que Deus me dotou não são menores que os dos cisnes, e por isso não estou nem um pouco triste por deixar a vida."

Sócrates in Fédon de Platão

Então o canto não é apenas o prenúncio do fim... Temer a morte é um puro acto de cobardia. Morrer é renascer. E renascer é a antítese do canto - desencanto. Esta traição de palavras que enganam e deturpam a definição de canto (do cisne) quando, afinal, a beleza reside no próprio DESEN(canto). As asas desenham pequenos cristais quando a hora é de voar. HOJE É O DIA do voo do desencanto e não do canto que encerra o voo.

AP



domingo, 9 de agosto de 2009

Metade

"Que a força do medo que eu tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu oiço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja para sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor.
Apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne, ao menos, suportável.
Que o espelho reflicta no meu rosto um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais que uma simples alegria para me aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém tente complicá-la porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é plateia e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade também."

Oswaldo Montenegro



sexta-feira, 31 de julho de 2009

De Homens e de Sombras...


Ao fundo da estrada estreita e desalinhada, envolvida num arvoredo absoluto e secreto, ergue-se enfim o templo. O velho carvalho que o anuncia não se confunde com a restante vegetação que nega ao sol a curiosidade de ir espreitando. Dele, apenas se lhe conhece o calor e não a luz. É demasiado denunciador e a sua sede de protagonismo faz desconfiar os azulejos que se pintam de azul. Os troncos largos de madeira e a sombra do alpendre são mais dignos da sua entrega. As paredes de linhas discretas são fortaleza de si próprias. Guardiãs fiéis de todos os tesouros que lhes foram confiados. É como se, uma vez atravessada a moldura da porta, nada de mal pudesse acontecer.
Aqui tudo é vida, tudo é alma e ser completo. O chão de pedra desliza sob os pés de quem chega e convida os passos a tornarem-se guias da viagem que ali se inicia. Os livros varrem as estantes que não terminam e imploram por companhia, como se estivessem cansados de estar sozinhos. Quase que se ouvem sussurros inquietos e de ansiedade por partilharem a dor e o amor com que foram escritos. É o que acontece quando se tem dentro o vício de emoções que é silenciado pelo medo de um júri pouco sensato. A temeridade, felizmente, é efémera e as capas gastas devolvem a cada página o calor e a vida de outros tempos.
Lá dentro o espaço é amplo, mas tem ausência de vazio. O ar está nutrido de letras, de convicções profundas e de fé na liberdade. Só que as rosas têm espinhos. E ainda que inebriado pelos cravos cor de sangue, sente-se o cheiro a amargos de boca de um "cavalo espantado". Em cada canto a memória de quem clamou, ao templo, 'santuário'. Por toda a parte levantam-se suspiros inspirados de neorealismo, anjos ancorados e histórias de amor onde em cada final infeliz se recomeça um novo agora, exímio em romper drasticamente com as restantes. Essas, o tempo que se encarregue de as publicar no seu livro de contos, se quiser. Já ninguém as vai conseguir trazer de volta, dê ele as voltas que der. A autenticidade das coisas reside na sua natureza única e na incapacidade de desenhar réplicas fiéis. Não existem segundas chances porque o ontem não acontece nunca mais.
Se pudesse entrar numa elipse do tempo sentar-me-ia na mesa redonda em silêncio a provar dos pensamentos alheios. Os mesmos que ainda perfumam as telas pintadas de Nery.
Resta a graça de me curvar perante aqueles que tinham (e aqui ainda têm) na alma o princípio da vida e do pensamento. E que permanecem vivos neste templo, onde a densa floresta é uma mera natureza morta que não se cansa de proteger a essência viva das artes.

Ao Tiago S.
Tela: Eduardo Nery

AP

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Hora de Estrellas


El silencio redondo de la noche
sobre el pentagrama
del infinito.

Yo me salgo desnudo a la calle,
maduro de versos
perdidos.
Lo negro, acribillado
por el canto del grillo,
tiene ese fuego fatuo,
muerto,
del sonido.
Esa luz musical
que percibe
el espiritu.

Los esqueletos de mil mariposas
duermen en mi recinto.

Hay una juventud de brisas locas
sobre el río.


Federico Garcia Lorca in Libro de Poemas

Ao AC.


domingo, 19 de julho de 2009

Do not spend your whole life hiding your heart away



Conhecer é apaixonar-se. Por quem aparece na manhã que chove. Pelo sol que quebra a montanha, qual Narciso, espelhando os seus raios imperiosos de adeus. Pela música que canta da janela regada a jasmins lilases. Ou mesmo pelo suspiro que sai de dentro, mas que vem de fora. Por estas coisas e outras tantas. É aceitar a dádiva perfeita de cada momento inesperado do presente. Deste e de outros tantos que vão parando pelos apeadeiros da vida.
As paixões são imediatas, fogazes e brutas como o 'acidente' de conhecer. E levam-nos. Por viagens estonteantes e intensas que podem durar um minuto ou a eternidade. O tempo suficiente para que não haja espaço para respirar. Tocam na dor sempre que se deseja na sua sombra um esconderijo, e aliviam a alma quando o coração está cheio de amor vazio.
Mais do que tudo o que se sabe é que há um presente em que também partem. Afinal, não pode chover para sempre e a montanha também se cansa do papel de espelho-mágico. A voz da música não é igual a cada passagem por uma qualquer janela que rega malva-rosas azuis, e os "ais" de quem vai não são os mesmos de quem ficou mas já foi embora. É a natureza do grito. Nas paixões também nada se perde. Transformam-se. Apuram-se. Refinam-se. Ainda que doa. Porque se assim não fosse, nunca o teria sido - PAIXÃO.
Apaixonar-se é deixar de conhecer, colocando as partículas da essência num pote de vidro, em que podem ser observadas sem o risco de riscar a paixão (im)perfeita.


Thanks for the inspiration. À BC.

AP

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Por Eça de Queiroz



"No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro."

Eça de Queiroz in Os Maias
Foto: AP

Este é o retrato da intemporalidade da romântica e bucólica Sintra. Do "vão do arco" do Palácio de Seteais onde Eça pintou este quadro de palavras, que ainda hoje permanece como se tivesse parado no tempo.

Ao João Silva.

AP

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Desde sempre...


Ensinaste-me o que é a unidade,
a ouvir as palavras que nunca chegam a ser ditas.
A sentir o que tu pensas
com a certeza de que pensas o que eu sinto.
Ensinaste-me a saber de mim, por tudo o que sei de ti.

Ensinaste-me a viver no teu silêncio.
Esse que fala sempre a veradade e nunca me invade de dúvidas.

Sou mestre na tradução do teu dicionário mudo,
apenas porque te conheço a transparência do olhar.
Não preciso de palavras para saber de ti
e sei que tu também não precisas:
ambos sabemos o que vai cá dentro.

Eu sou o teu fruto e tu a minha raíz.
É dela que me alimento.

Ensinaste-me a suportar o mistério que nos une,
a força que nos comanda
e a sossegar o coração pela ausência das palavras.

Sei de cor o valor de sermos dois, e um.
Estamos sempre juntos, mesmo que separados,
nesta integridade única de quem sabe sempre o que quer.

Esse silêncio é o melhor porto de abrigo que conheço.
Não preciso de te dizer quando o meu coração dói,
nem que os heróis das histórias são meros amadores ao pé de ti.
Ambos sabemos o segredo.

Não se diz, não se ouve, não se escreve e não se vê.
Sente-se com a alma, que é apenas uma.

Parabéns, Papá!!!

AP



terça-feira, 30 de junho de 2009

Fado Português

O Fado nasceu um dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava.
Na amurada de um veleiro,
no peito de um marinheiro,
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro.
Vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava
que, estando triste, cantava.
José Régio in 'Poemas de Deus e do Diabo'

terça-feira, 23 de junho de 2009

A sós com a noite

Há quem o chame louco, excêntrico. Ou até velho estouvado que só sabe dizer adeus. Muitos sabem quem é, mas poucos conhecem a verdade do senhor João. O homem que lê Agatha Christie para espantar os medos. O homem que percorre as noites da Av. Fontes Pereira de Melo a cumprimentar graciosamente quem passa. Para este homem, o simples gesto de dizer adeus dá sentido à sua vida. Considera-se criador de um milagre. Neste mundo de estranhos e de gentes fechadas, este é o seu milagre e também a sua cura. Quem passa pelo Saldanha, quando a lua visita a cidade, não fica indiferente à figura do "senhor que diz adeus".
João Serra tem a bonita idade de 76 anos e é dono de uma alma que faz inveja a muitos jovens. Transforma-se rapidamente num avô contador de histórias, quando o abordam. É um conversador de coração cheio. As vestes clássicas e a ondulação da cabeleira branca conferem-lhe um ar aristocrático. O senhor João tem em si a inocência de uma criança, o espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente ter aprendido a viver tarde demais. Sempre quis ser actor, mas nunca o deixaram. Ou talvez não tenha tentado.
Nasceu no seio de uma família abastada que vivia num palacete da rua Tomás Ribeiro. Em adolescente, consumada a separação dos pais, foi viver para o Restelo, onde voltou a residir desde a morte de sua mãe. É lá que ainda vive e foi por lá que o reencontrei.
O senhor João sempre viveu para os outros e em função dos outros. Por vontade do pai inscreveu-se em Direito, mas rapidamente percebeu que era chato e aborrecido, abandonando o curso. De seguida, integrou História e Filosofia que também se revelou de curta passagem. Sem saber o que havia de lhe fazer, o pai mandou-o para Londres com o irmão. Viveu 3 anos em Inglaterra. Tempos que recorda com saudade pelas viagens que conseguiu fazer. Voltou a Portugal com saudades da família. " Nunca consegui ficar muito tempo longe dos que amo", confessou-me. E ficou calado, de olhar perdido numa dor só sua.
Admite que possa parecer estranho o que faz. Será sempre mais fácil julgá-lo como um louco. Mas é a forma mais bonita que conhece de disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, porque não ousou viver a própria vida em vez da dos outros. Jazem num velho baú os sonhos que não realizou. O curso que não fez, os filhos que nunca teve e o grande amor que não viveu. Ainda assim, esta é certeza inquestionável para o senhor João. "Mesmo com a vida a fugir, sou crente no amor. Sinto-me só e incompleto. Alguma coisa falhou". Nos olhos cinzentos, por trás dos óculos de massa negra, sinto-lhe o conter de duas lágrimas. Explica-me que anseia pelo passado, pelo presente e pelo futuro que não chega. A inquietação da juventude acompanha-o até hoje. A retribuição de um beijo, de um sorriso, ou de dois dedos de conversa é o suficiente para trazer de volta o brilho aos olhos do geronte.
Quando me despedi dele, agradeci a partilha de emoções. Ele tirou os olhos da dor, deu-me o seu melhor sorriso e falou-me com o coração: "Sê feliz, minha menina. Se não nos virmos mais, encontramo-nos no céu".
Tenho fé, senhor João, tenho muita fé.

Para si, senhor João.
Com admiração e carinho.

AP

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A verdade do 'sonho' intemporal


Do Asteróide B612 para o planeta Terra, aproveitou a boleia de uma migração de pássaros selvagens, à procura de amigos. O seu planeta era muito pequeno. Só tinha espaço para três vulcões e uma rosa, que lhe partiu o coração pela alma orgulhosa que transportava. O menino de cabelos cor de ouro que passava o tempo a fazer perguntas, mas que nunca respondia ao que lhe era perguntado.
Li-o dezenas de vezes.
Amei a ingenuidade sábia com que foi escrito. A melodia doce com que reduz a nossa existência a uma deliciosa gargalhada, apenas porque adora aprender. E aprender é sinónimo de viver.
Apaixonei-me pela forma como ensina que o ruído enferrujado de uma roldana velha, faz adivinhar uma fonte de água fresca no meio do deserto. Com cheiro de fogo e sabor de inocência. Ainda tenho em mim a alegria que brota do ranger de qualquer uma roldana que encontro por aí, pelos desertos.
Acho que o li dezenas de vezes.
Quando era pequena queria ser como ele. Hoje, percebo que já fui e que já passou. É confortante recordar a passagem e sentir que, realmente, existiu. Em suspiros de nostalgia, descobri que me deixou aprender que a vida é mais simples que complicada. Mais colorida que cinzenta. Que é melhor morrer de amor do que saborear o vazio.
Um dia ouvi alguém dizer: "O Principezinho, que presente fantástico para oferecer a uma criança". Que barbaridade! Das maiores que já conheci. O Principezinho não é um livro para crianças. É para pessoas grandes. As crianças são crianças. As crianças gostam, não gostam, vêem ovelhas dentro de caixas e preocupam-se com os espinhos que as rosas produzem há tantos milhões de anos. E com flores, e com estrelas e crepúsculos. "Um dia vi o sol pôr-se quarenta e três vezes. Quando se está muito triste, sabe bem ver o pôr-do-sol". Preocupam-se com coisas sérias. Mesmo sérias, como o pôr-do-sol. As crianças não precisam que as ensinem a ser crianças. Já as pessoas (que se dizem) grandes... Continuam a achar que um elefante dentro de uma jibóia é um chapéu. Que não têm tempo de regar as rosas e de cobri-las com uma redoma por causa das correntes de ar. Porque se preocupam com coisas sérias. Idiotas.
Devo tê-lo lido dezenas de vezes.
Mas quase não me lembro. Entranhei-o, faz parte de mim, está cá dentro. E sou criança para sempre.


"À noite, pões-te a olhar para o céu e, como eu moro numa estrela, como eu me estou a rir numa delas para ti, é como se todas as estrelas se rissem. Vais ser a única pessoa no mundo que tem estrelas capazes de rir".

E foi assim que o Principezinho se despediu do seu amigo, que o seria para sempre. Da mesma forma que qualquer passageiro da vida se despede - com orgulho ridículo - da idade da qual, mais tarde, desejará não ter saído. A diferença para o meu Principezinho reside nas gargalhadas das estrelas. São elas que vão iluminar a noite e chamar-me à janela antes de dormir.
Vou lê-lo, com toda a certeza, mais umas dezenas de vezes. Vou voltar a reencontrar os acendedores de candeeiros, os reis, os homens de negócios, os geógrafos. Esses homens 'sérios'. Agradecer-lhes as respostas às perguntas, mas informá-los que prefiro continuar a cuidar da rosa que só tem três espinhos para se defender do Mundo inteiro.

AP
Aos meus 'principezinhos': Pedro, Carolina e Mariana.

sábado, 13 de junho de 2009

Por António... o Variações


Vou viver até quando eu não sei
que me importa o que serei

quero é viver
Amanhã, espero sempre um amanhã
e acredito que será
mais um prazer
E a vida é sempre uma curiosidade

que me desperta com a idade

interessa-me o que está para vir

A vida em mim é sempre uma certeza

que nasce da minha riqueza

do meu prazer em descobrir
Encontrar, renovar, vou fugir ou repetir.


António Variações (3.12.1944 - 13.06.1984)

Oh noite de Santo António, oh Lisboa de encantar...









AP
Só para ti, Marta.
Com carinho.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Esta Lisboa que eu amo...


Hoje é o dia de cantar a menina, a mulher, a Mãe dos poetas, dos revolucionários, dos sonhadores e solitários. Esta Mãe extremosa que embala os filhos ao sabor das vagas do Tejo. Que os conforta com xailes negros de fado. Esta Lisboa que eu amo...
Esta Lisboa que eu desejo com tamanha paixão, como se me tivesse visto nascer. Ironia. Foi Ela que me viu renascer, que me levou pela mão e me ensinou a caminhar de novo. Desceu comigo a rua do Carmo ao som da dor do fado, e voltou a subir para ter a certeza dos laços que acabara de criar entre mim e o negro da calçada que ainda recorda o inferno de outros tempos. "Está na hora de te apresentar ao Poeta", disse-me ela ao ouvido.
Pelo meio das gentes com pressa de viver, caminhou calmamente comigo pelo passeio a que Garret emprestou o nome. Ao fundo, inspirado pelo aroma intenso do café, Pessoa. Que alma Grande. Até Camões parecia querer saudá-lo com gestos eternos, do alto da sua imponência.
Hoje é o dia de cantar esta Lisboa que viu nascer Abril. A Lisboa dos sábados que acordam nas bancas velhas da feira da Ladra, que S. Vicente esconde envergonhado. Não vão as Tágides acordar com o frenesim. Do outro lado, o Panteão que fere a vista quando se casa com o sol.
Lisboa das manhãs de domingo em família, por Belém. O Infante continua na proa. Por toda a parte, os 'velhos do Restelo' lamentando a sorte que o mar levou. Ingratos.
Esta Lisboa que chorou Amália e que vai alimentando a dor da saudade. Deixar de chorar é fechar o caixão talhado com os machados do povo. Ai Amália, se soubesses...
Esta Lisboa que eu vivo (e que me viveu), do Junho que só existe aqui.
No ar, o cheiro a casa: sardinhas, caldo verde e manjericos. É noite de Santo António. Hoje todos somos devotos. Os sonhadores e solitários mais que os outros. E talvez estes sejamos todos.
Aos pés da Sé o ambiente pesa, inebriado pelo cheiro da cera que queima pela força da fé.
E o Junho não acaba.
Esta Lisboa dos crepúsculos no 'santuário' da Graça, de papel e caneta nas mãos. O altar que se debruça sobre Ela e que a vê nua. Tinhas tanta razão, Ary. Hoje o sol faltou ao nosso encontro, mas a beleza e a paz não se apagam com o nevoeiro cinzento que vai caindo.
E os passeios pelo castelo velhinho? Lembras-te, Lisboa? Das conversas intermináveis que mantínhamos em segredo, enquanto o guarda teimava que estava na hora de fechar os portões?
É bom sentir que continuas aí. O tempo não passa por ti. Continuas a beijar os teus filhos e a fomentar a relação incestuosa, num misto de erotismo e amor maternal, que não pode ser de outra maneira.
Ainda tens espaço no teu colo para mim? Eu estou de volta.

AP

Foto: Miradouro da Graça

segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Do vale à montanha" (e da montanha ao vale)


Chamaram-lhe Sísifo. Era filho do rei Éolo. Não o dos ventos, mas do que ocupava o trono da Tessália. A mesma a quem S. Paulo dedicou duas das suas epístolas, adivinhando a ressurreição de Cristo.
Desafiador dos deuses, Sísifo foi castigado e condenado a rolar uma grande pedra de mármore, com as suas mãos, até ao cume de uma montanha. Sempre que alcançava o topo, a pedra rolava montanha abaixo. Sísifo descia a montanha para voltar a empurrar a pedra. Levava-a de novo até ao cume e a pedra voltava a cair. Por toda a eternidade.
Camus 'convidou' Sísifo a integrar a sua filosofia do absurdo: a futilidade humana em busca de um sentido que não existe.
Cada passo do homem traduz todo o esforço de um corpo (ou de uma alma) para levantar uma imensa pedra e rolá-la montanha acima. Uma vez, e outra e outra... Retrata o rosto comprimido, que de tanto acarinhar a pedra também já o é. O ombro que suporta o peso e auxilia os braços estendidos cobertos de terra. As mãos lascadas ao final de um esforço interminável, medido por espaços e tempos infinitos.
Ai Sísifo, Sísifo... Condenado a viver no absurdo por toda a eternidade.
E nós? Homens absurdos, reféns de uma vida fútil? Talvez sejamos, em cada segundo, mais ridículos que a eterna tarefa de Sísifo. Empurrando as nossas pedras sem questionar, acreditando que não têm que ter um sentido, como se não fossemos seres dotados de razão. E a pedra rola montanha abaixo. É tempo de descer ao vale e iniciar outra vez o trabalho que, por teimosia ou ignorância, continua a não ter sentido. Durante a descida é o coração que rasga e não a pele. Os pés podiam estar cravados de chagas, mas não estão. Estes apenas caminham, obedientes, em direcção ao tormento. PÁRA, Sísifo! PÁRA!!!!!
É hora da consciência. A lucidez que constitui a tortura é a mesma que coroa a vitória. Afinal, tem sentido. E o homem sorri. De alívio, porque ainda não habita a eternidade, como Sísifo. De gratidão, porque ainda não foi condenado pelos deuses. E por Ele, nunca será, concerteza! De felicidade, porque ainda é possível descobrir a fórmula que castiga a pedra a adormecer profundamente no alto da montanha.
E de conquista, porque a própria luta em direcção às alturas é suficiente para preencher o coração do Homem.

AP

Ao Professor Manuel Nunes

"Compus para si e chamei-lhe Vagamundo..."


"Vagamundo"

Já disse adeus
a tanta terra, a tanta gente.
Nunca senti meu coração tão magoado,
inquieto,
por saber,
que o tempo vai passar
e tu vais esquecer o nosso Fado.
Partida, cada vez mais sombria,
cansada...
São nuvens negras
em céu azul.
São ondas de naufrágio
em mar fundo.
No meu deserto não vejo abrigo,
sem ter um amor neste mundo.
Mas se eu voltar e, como penso, me esqueceste,
troco por outro
coração amargurado.
Tentarei não fazer mais castelos no ar
e nunca mais viver
um outro Fado.

Letra: Luís de Macedo
Música: Alain Oulman
Por: Amália

Porque nunca é tarde para homenagear o "marinheiro, que estando triste cantava" e a paixão pelos livros, pela música e por Amália que, com ele, partilho. Alain Oulman, o poeta e músico a quem todos deveriam estar gratos por ter levado Luís de Camões, David Mourão Ferreira, Alexandre O'Neill ou Manuel Alegre às pautas da guitarra portuguesa e à Voz de Amália Rodrigues. Este foi o fado com que assumiu a paixão pela Diva, testemunhado pelas águas da foz do Lisandro em 1962.

AP

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Devolvo-te as rosas...


"No mais fundo de ti,
Eu sei que te traí, Mãe!

Tudo, porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo, porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumurosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, Mãe.
E o nosso amor é infeliz.

Tudo, porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu.
E até o meu coração ficou enorme.
Enorme, Mãe!

Olha, queres ouvir-me?
Às vezes ainda sou a menina
que adormeceu nos teus olhos.

Ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas como as que tens na moldura.
E ainda oiço a tua voz:
'Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal...'.

Mas, tu sabes, a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, Mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite, eu vou com as aves."

Eugénio de Andrade


Ainda te lembras?
Tu guardaste o poema. Agora, é a minha vez de trazer-te as rosas brancas de volta.

Parabéns, Mamã!

AP

terça-feira, 2 de junho de 2009

"O que há em mim é, sobretudo, cansaço..."

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por um suposto alguém.
Essas coisas todas...
Essas e o que faz falta nelas eternamente.
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo.
Cansaço...

Álvaro de Campos

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Those were the best days of my life..."

A noite cai, mas o calor permanece. O de hoje e o de outros tempos. Aqueles em que quem entrou na noite, o fez com a absoluta certeza de que iria ficar. E ficou!
Hoje é o dia de celebrar e eternizar a noite de quem se vai reencontrando incessantemente no 'plateau' da vida, com a coragem de olhar nos olhos saudosos do outro e encarar sem receios os melhores tempos desta vida.
Aqui não existem púlpitos nem tribunas onde são proferidas palavras mastigadas, discursos cozinhados ou danças de conveniência. Existem sim abraços sinceros que não deixam que a noite arrefeça, e sorrisos emocionados de orgulho por termos ficado. E ficámos, porque estamos.
A música sobe e enche-me o peito. Sinto-a como oxigénio para os pulmões e hemoglobina para o sangue. Recordam-se episódios intensos e eternos que foram dançados ao som desta mesma música. Nas 'colinas' de Lisboa, pelas velhas planícies alentejanas, à sombra do sol de 'Lacóbriga' ou até mesmo sob as 'luzes' de Paris. Que importa? O cheiro da terra molhada ainda é o mesmo, não é? As lágrimas que caem é que poderão descer de outras nuvens. Daquelas que outrora despiram o impermeável para absorver e secar as lágrimas alheias, mas tão suas. A partilha é a mesma: única em cada dia, em cada noite, em cada suspiro. Afinal, o tempo não é ladrão. Porque passamos, então, as nossas horas a pedir-lhe que nos devolva o que já foi? O tempo é hoje, aqui e agora.
O céu pinta-se de um azul amedrontado que quer ser laranja e, quem sabe, amarelo. Vénus ergue-se no horizonte nascente, anunciando a manhã de Verão que jorra do ventre do infinito. Da varanda, apenas o Tejo e o calor de quem nunca parte. É neste tempo que quero estar para sempre. Porque, afinal, estes continuam a ser os melhores tempos desta vida.

AP

Ao Bola, ao Laminas, ao Paulo Lopes e à Raquel.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Maio das (des)aparições...

Antes que o hoje deixe de o ser e renasça na aurora de outro hoje, é tempo de fechar os olhos e olhar para dentro. De sentir intensa e profundamente o fogo que gela a alma para depois a elevar à troposfera do espírito, onde só chega a força da fé.
Hoje é o dia de querer viver no Maio que nunca mais chega mas que teima em não terminar. Maio das Aparições. A de Fátima também. Dos olhares que suplicam sepultura num estádio divino, das velas que iluminam as almas carentes de amor, do peso do corpo ardente em fé que o chão suporta. O céu enche-se de nuvens negras anunciando, ao que parece, a tempestade. Mas esta apenas acontece para que o contraste permita um esplendor inigualável sobre a azinheira da Cova da Iria.
Alguma semelhança com a realidade da vida dos mortais NÃO é pura coincidência.
Hoje é dia de apagar a luz e deixar que as estrelas das (des)aparições se revelem. Algumas pintam o escuro em sentido ascendente e brilham para ficar. Outras há, que voltam a ganhar brilho depois de um merecido e necessário sono de milhões de "hojes". E, por fim, a despedida da estrela cadente. Aquela que vomita toda a energia que se transforma no seu mais radioso grito de luz, anunciando a própria morte, antes de se perder no espaço. Talvez esta viva para sempre no reino dos cisnes.
Iluminam? Pois iluminam! Aparecem e desaparecem no breu da noite. Para alguns são fé, para outros amor. Para mim, simplesmente a razão pela qual sei sempre o caminho de volta a casa.
Adeus, Maria. Qualquer outro 'hoje' será Maio para sempre.

AP