sábado, 19 de setembro de 2009

Do céu que já não sei...


Há sempre qualquer coisa de céu e de chuva. Há também o ar e a água de uma Paris sem Luz. A velhinha ainda se senta no mesmo banco de madeira à espera do eterno amor que, garante, ainda vai chegar. Já é Outono. Espreita agora sereno, sem a exuberância que o Verão habituou. Ainda bem que chove. Não vão os campos secar e deixar inertes os corpos que os protegem. Dói-me o ar. Dói-me o chão. Mas a água também lava os nimbos e penteia os cirros. Também esses precisam de se estatelar num trambolhão. Encontro sempre um varredor de mazelas. Daqueles que ainda têm o cuidado e a ousadia de as encaminhar para o vaso de reciclagem. Enquanto varre sossega-me o coração que se sagra e tranquiliza-me a alma que já não se esconde. Confidencia-me a revolta da missão que é ingrata: esvaziar o ar para que volte a receber a visita da malvada. Essa, mas tão útil e indispensável, dor. Dou-lhe o conforto da grandeza da obra que é deitar à terra para colher. Mesmo as mazelas em putrefacção conseguem transformar-se em lei. Só que depois há o Inverno. E o gelo. E o vento. Esse que, em golfadas de ira, espalha o vazio engolindo o pobre do varredor. A ironia reside na presunção do saber e na arrogância da verdade que erra: é que quando se aprendem as respostas, mudam as perguntas. E mais um (des)encanto de pérolas envenenadas, confirmando a debilidade da sua origem. Então a noite deita-se. Para que o céu seja chuva e a água o ar dentro da superfície.


AP

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito.
Estavas trémula e teu rosto pálido e tuas mãos frias.
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino.
Quis afastar por um segundo de o fardo da carne.
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios, eu compreendi que a morte já estava no teu corpo.
E que era preciso fugir para não perder o único instante, em que foste realmente a ausência de sofrimento.
Em que realmente foste a serenidade.

Vinicius de Moraes

Anónimo disse...
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