segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Do vale à montanha" (e da montanha ao vale)


Chamaram-lhe Sísifo. Era filho do rei Éolo. Não o dos ventos, mas do que ocupava o trono da Tessália. A mesma a quem S. Paulo dedicou duas das suas epístolas, adivinhando a ressurreição de Cristo.
Desafiador dos deuses, Sísifo foi castigado e condenado a rolar uma grande pedra de mármore, com as suas mãos, até ao cume de uma montanha. Sempre que alcançava o topo, a pedra rolava montanha abaixo. Sísifo descia a montanha para voltar a empurrar a pedra. Levava-a de novo até ao cume e a pedra voltava a cair. Por toda a eternidade.
Camus 'convidou' Sísifo a integrar a sua filosofia do absurdo: a futilidade humana em busca de um sentido que não existe.
Cada passo do homem traduz todo o esforço de um corpo (ou de uma alma) para levantar uma imensa pedra e rolá-la montanha acima. Uma vez, e outra e outra... Retrata o rosto comprimido, que de tanto acarinhar a pedra também já o é. O ombro que suporta o peso e auxilia os braços estendidos cobertos de terra. As mãos lascadas ao final de um esforço interminável, medido por espaços e tempos infinitos.
Ai Sísifo, Sísifo... Condenado a viver no absurdo por toda a eternidade.
E nós? Homens absurdos, reféns de uma vida fútil? Talvez sejamos, em cada segundo, mais ridículos que a eterna tarefa de Sísifo. Empurrando as nossas pedras sem questionar, acreditando que não têm que ter um sentido, como se não fossemos seres dotados de razão. E a pedra rola montanha abaixo. É tempo de descer ao vale e iniciar outra vez o trabalho que, por teimosia ou ignorância, continua a não ter sentido. Durante a descida é o coração que rasga e não a pele. Os pés podiam estar cravados de chagas, mas não estão. Estes apenas caminham, obedientes, em direcção ao tormento. PÁRA, Sísifo! PÁRA!!!!!
É hora da consciência. A lucidez que constitui a tortura é a mesma que coroa a vitória. Afinal, tem sentido. E o homem sorri. De alívio, porque ainda não habita a eternidade, como Sísifo. De gratidão, porque ainda não foi condenado pelos deuses. E por Ele, nunca será, concerteza! De felicidade, porque ainda é possível descobrir a fórmula que castiga a pedra a adormecer profundamente no alto da montanha.
E de conquista, porque a própria luta em direcção às alturas é suficiente para preencher o coração do Homem.

AP

Ao Professor Manuel Nunes

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