terça-feira, 30 de junho de 2009

Fado Português

O Fado nasceu um dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava.
Na amurada de um veleiro,
no peito de um marinheiro,
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro.
Vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava
que, estando triste, cantava.
José Régio in 'Poemas de Deus e do Diabo'

2 comentários:

Marta disse...

"de folhas, flores, frutas de oiro.
Vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro."

De José Régio, musicado por Alain Oulman para a voz de Amália. A versão de Dulce Pontes é fantástica. E, já agora, não percas a interpretação de Sónia Tavares no projecto 'Amália Hoje'. Simplesmente arrebatadora.

Marta.

Li disse...

O saber não ocupa lugar. Que surpresa, não sabia que este poema era de José Régio. Torna esta obra ainda mais completa. É uma verdadeira oração ao povo português. Juntar José Régio, Alain Oulman e Amália numa só peça, encerra toda a história, cultura e arte do nosso cantinho lusitano. Que explosão de orgulho.

Li.