quinta-feira, 11 de abril de 2013

Toque Dele

Lisboa, 10 de Abril de 2013

Marcelo Camelo fez do Tivoli a sua sala de estar esta noite e encheu-se de amigos. Pelo menos, amigos dos que partilham a paixão pela arte maravilhosa que o traz por dentro.
Num cenário de quase nada, envolto numa atmosfera ultra-intimista, pisou o palco trajado dessa humildade tão brasileira, comovido pelo calor das gentes e pelas palmas que se prolongaram ao primeiro encontro. Uma timidez terna que adivinhou o nervosismo confesso pelo próprio. "Quando fico assim nervoso, parece que dá um negócio de 'mãos de águia', mas vai que vai, que a gente vai".
Chamou-se o escuro e na "hora de entrar em cena" ofereceu o "sorriso bossa-nova" e acendeu as "Luzes da Cidade", uma música não editada em disco, mas com direito a bis mais para o final. Até podia ter sido um 'tris' que ninguém se iria queixar. Que tema maravilhoso!
Nas primeiras interpretações completamente a solo, passou por alguns temas do álbum Toque Dela: "Pra te acalmar", "A Noite" e "Tudo o que você quiser". Uma sonoridade que ainda remete muito para o tempo e irreverência de Los Hermanos, apesar da variante acústica e deste ser o álbum cronologicamente mais afastado da banda do Bloco do Eu Sozinho.
Ainda que minimalistas, os acessórios de palco antecipavam a participação de mais alguém neste delírio emocional colectivo. E não se fez esperar. Como se quisesse interromper a "Liberdade" criativa do Camelo, mas de forma absolutamente discreta, surge o som de rabeca nas mãos de Thomas Rohrer, deixando o violão do "moreno do cabelo enroladinho" perder-se dentro de si próprio. Loiro, suíço radicado no Brasil há perto de 20 anos, que rasga as cordas da rabeca como se a esventrasse numa alternância de intensidade, capaz de protelar aquela tortura para sempre. Tive a sensação imediata de estar a entrar num filme de David Lynch, com laivos de Badalamenti, em que a banda sonora tem um papel importantíssimo na fotografia e ajuda a substituir tantas vezes, e tão bem, os diálogos. O senhor Lynch havia de gostar de conhecer este Rohrer.
Momento emocionante e perturbador: "Janta". O tema que, para mim, tem o registo do abraço mais bonito da história da música, num concerto promovido pela MTV. Vale a pena espreitar estas imagens. O Tivoli aceitou o desafio e cantou sem falhas, como se quisesse compensar a ausência da "pitanga".
Visivelmente emocionado, transtornado, docemente desorientado e tantos outros "ados" que agora não me apetece explorar, Marcelo soltou uns acordes de "Saudade" que "gostaria de tocar se ainda soubesse como se toca". Desistiu, passou à frente com a maior das naturalidades e ninguém levou a mal. Afinal, estava entre amigos e os amigos não andam de dedo em riste.
Seguiram-se alguns clássicos de Los Hermanos e outras composições individuais do álbum Sou/Nós. Para mim, que sou apenas crente e cheia de fé nestas paixões, um dos melhores discos brasileiros de sempre.
O tempo não ia longo, mas havia protocolos a cumprir. Fechou como abriu: "Luzes da Cidade".
Perante um público a aplaudir de pé, Marcelo não teve como não regressar, impondo a vontade de continuar a tocar e a cantar. Estava comovido, muito comovido, arrebatadoramente comovido. O que diremos nós, que levámos mais de 1 hora e meia num arrepio só.
No final, nem veio "só dar a Despedida". Com ar de moleque e "filho de sol poente" , deixou Rohrer sozinho no seu derrame artístico de quem tortura a rabeca e saiu de fininho, como entrou, de beijo nos lábios e sorriso bossa-nova. "Esse menino canta bonito demais".
Volta depressa, Marcelo. Estes amigos de Lisboa quando gostam, gostam mesmo!

AP




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